terça-feira, 11 de julho de 2023

 

                                        


 

                              O OUTRO LADO DAS COISAS

                                  ( 4 matérias para a Revista da APL)

                                                                     Francisco Miguel de Moura*

            Minha grande amiga Rejane Machado, escritora e crítica de meus poemas, a quem devo uma das melhores apresentações de “Pedra em Sobressalto”, além de outros artigos sobre meus livros posteriores a 1974, faleceu no dia 31 maio de 2019, no Rio de Janeiro (RJ), justamente quando eu ainda estava lendo seu belo livro de ficção, titulado de “O Outro Lado das Coisas”, publicado pela All Print, São Paulo, 2019.

          Senti enorme pesar, por sua morte. Ela sempre foi minha amiga desde a publicação do seu livro de contos “A Dimensão das Pedras”, pelo “Diário de Notícias” /IN, 1969. Assim não sei como começar esta crônica de saudade. Sempre que eu e Mécia, minha esposa, íamos ao Rio - e não foram poucas vezes - ela nos convidava para almoçar em seu apartamento com a família, ou nos levava a algum restaurante, do Leme, onde morava. Nossa amizade como escritora existia de antes de nos conhecermos pessoalmente.

          Daí vieram as visitas a festas e locais de cultura e em casa escritores já famosos ou que eram sempre presentes na imprensa e nas livrarias. Indo a Niterói, algumas vezes, conhecemos a cidade e seus muitos poetas e escritores, com os quais nos contactaríamos depois, por escrito. Sim, lembro de uma visita à casa de Maria Moura da Costa, descendente de família nordestina como Rejane Machado. Lembrando bem Maria Moura da Costa esteve em Teresina, onde passou um mês em minha casa, a qual tive o prazer levá-la à TV Clube de Teresina.

          São muitas lembranças. Vou guardando muitas cartas da autora, seus livros e agora este livro “O Outro Lado das Coisas”. Para Rejane, fiz-lhe o prefácio do seu excelente romance “Informação a um Desconhecido”, publicado no ano 2000. Em 2010, veio outro muito bom romance de título inquietante, “Réquiem para Mário”, mais ou menos na época em que estivera en Teresina, ela e seu filho, músico, onde passaram mais de uma semana em nossa residência.

          No primeiro sábado de sua permanência em Teresina, levei Rejane Machado a visitar nossa Academia de Letras, onde foi saudada pelos acadêmicos, numa bela e agradável manhã, quando aconteceu uma ligeira discussão, porém bastante animada, entre ela, Assis Brasil e Herculano Moraes. Rejane Machado, muito versada em história e crítica literária, expressou o que seria literatura e seus melhores escritores. Eu fiquei do lado de minha amiga Rejane Machado. Se pesquisarmos as atas da APL, encontraremos esta questão colocada, indicando sua presença à reunião acadêmica.eculanHH

          Em sua obra “O Outro Lado da Vida”, recebido antes de Rejane Machado falecer, leio um seguro modo de ver as coisas, assim conduzindo seus leitores a pensar que o outro lado da coisa é o outro lado do outro, o outro lado do mundo. Mostrar em ficção como isto se explica, ou pelo que expõe, é propósito dela, numa escrita limpa, quase conversa, onde os personagens são sofredores, não por causa do mundo externo, material, mas por causa do “outro”. Sei que era uma pessoa torturada por suas ideias e por seu padrão de vida dividido com seu consorte, um abastado mineiro, aportado ao Rio. Dissonâncias mais que consonâncias. Mas justo dentro deste ambiente criou seus filhos muito amados. Lembro aqui a mais velha, Elisa, que casara com um piauiense de nome Francisco e apelidado de Chicão, daí a dedicatória a mim, do seu exemplar de “O Outro Lado da Coisas”: “Para meus queridos Chicão e Mécia, com minhas saudades”.  

          Digo isto, porque o marido, o músico, o padre, o doutor, são constantes em seus tipos ou personagens, duelando os motivos que a levaram ser uma grande escritora, uma apreciadora inigualável da música, especialmente a clássica e também de tantas outras coisas como formar-se em letras (e formou-se), e ainda a falta de tempo para escrever, pois extremamente dedicada a seus filhos. Era também uma excelente pesquisadora da História Geral do Brasil e da Literatura, nesta espécie, uma excelente crítica, com muitos estudos em profundidade e que não foram ainda publicados. Assim, recebeu o primeiro lugar, num concurso sobre famoso escritor baiano, prêmio que lhe foi conferido pela Academia de Letras da Bahia - bastante divulgado em todo o país, sendo concorrentes nomes importantes da Literatura Brasileira.

          Rejane Machado publicou seu primeiro livro de contos, em 1973, com o título de “Dimensão das Pedras”, pela Ed. Cátedra, quando ganhou o prêmio “Fernando Chinaglia”, porém já antes fora premiada pelo “Diário de Notícias” / INL, Rio, 1969, na categoria contos.  Era a época do chamado “boom” da literatura brasileira, especialmente no gênero contos, que se espalhou por todo o Brasil, abrangendo poesia, romance, crônica e critica, daí nascendo inúmeros jornais e revistas:  Era a chamada “imprensa alternativa”. No Piauí tivemos, entre outros, a revista “Cirandinha” e o jornal “Chapada do Corisco.”

          No Rio de Janeiro, havia a revista “Ficção”, de contos, da qual me tornei representante no Piauí. E sabem por quê? O editor da revista era o jornalista e escritor Cícero Sandroni, que muito depois seria eleito para a Academia Brasileira de Letras e da qual chegou a ser Presidente. Foi ela, Rejane Machado, quem nos levou à residência do casal Cícero/Laura Sandroni, para uma festa a que fora convidada. Lá fomos apresentados, eu e Mécia, e daí nos tornamos o representante de “Ficção”, no Piauí. Com essa disposição, e por meu intermédio, a revista publicaria contos meus, do Magalhães da Costa e do Cineas Santos, além de muitas resenhas que fiz sobre escritores daqui e doutros cantos do Brasil, conhecidos por mim, em pessoa ou apenas de livros.

          Finalizando, reafirmo que a escritora Rejane Machado está entre os melhores prosadores brasileiros do período em que viveu e trabalhou com galhardia, com imensa criatividade e estilo forte e rico, em todos os livros, sempre com uma exposição clara e vibrante para colocar sua realidade no mundo ficcional.

 ________                                                                  

*Francisco Miguel de Moura, poeta, crítico literário, romancista, contista e cronista, membro da Academia Piauiense de Letras, da ALEP e da ALVAR. As duas últimas academias são regionais, alcançando a região de Picos e a ribeira do Riachão, respectivamente.

 

                   CELSO BARROS – SAPIÊNCIA E CARÁTER

                                                                              Francisco Miguel de Moura*

           

          Outrora só se chamava de doutor aquele que fosse formado em Medicina ou em Direito (leis).  Não há discutir a competência de Celso Barros no campo do Direito. Nem me atrevo citar tantas obras suas, nesta matéria, para não cometer esquecimentos ou pedir desculpas por falta de espaço visto que não tenho competência para tanto. Quem quiser saber em profundidade da sua bibliografia tem que ler o livro “Academia Piauiense de Letras – um pouco da história, um pouco das ideias”, editado pela própria Academia, em 2018, na Coleção 100 da entidade.

          Na verdade, sinto-me bem pequeno para falar sobre Celso Barros Coelho, creio que pela segunda vez, em artigo para o jornal, mostrando sua competência e seu caráter. Da primeira, enalteci o grande orador que é, colocando-o na mesma altura e grandeza de um D. Avelar Brandão Vilela, os dois maiores na arte do discurso que eu já ouvi. 

          Porém, Celso Barros é muito mais do que orador. Historiador e filósofo, sob cujos aspectos me sinto com algum conhecimento para tal, invoco-o, neste momento, mais sob o ponto de vista de cidadão de caráter sem jaça e do ilustríssimo Acadêmico da “Casa de Lucídio Freitas”.  Como Presidente da APL, fez profícua administração. Antes, quando me dispus a disputar uma vaga na APL, ele foi um dos primeiros a me incentivar. Para mim, bastante honrosa tal atitude. Muito me satisfaz e me envaidece dizer que ele é meu confrade, meu irmão de letras, por causa da magnitude de sua sapiência e do seu caráter, itens que escolhi para esta crônica jornalística. Quando penso no grande representante que tivemos na Câmara Federal por duas legislaturas e na sua eficiente atuação, vejo-me como um simples eleitor seu, que fui em todas as eleições em que ele concorreu a cargo público, depois que me estabeleci em Teresina.

          Celso Barros é uma daquelas pessoas ímpares, considerá-lo um gênio não é um exagero, pois elevados são os seus conhecimentos, quer do Direito, da Filosofia, do Latim, tanto quanto da Língua Portuguesa e de História. Outros temas podem ser indicados, por exemplo a crítica literária, amante que é das musas e disto tem dado bastante exemplo em livros e artigos. Sua obra é muito grande. Limito-me a colocar, neste momento, sua história da “Academia Piauiense de Letras: Um Pouco da História, Um Pouco das Ideias”, Teresina-PI, 2018, reeditada, onde coloca de pórtico os versos do poeta Jônatas Batista, como se fossem sua própria voz ao falar em literatura:                                     

                    “Caminho sem parar, sem curva, sem receio,

                     Sem fraqueza ou pavor, sem cobarde receio,

                     Meu destino a seguir, sem encontros temer.

                     A batalha me tenta, a guerra me alucina...

                    O movimento é a vida, a vida me ilumina...

                     Nasci para lutar, na ambição de vencer”.

          É realmente um livro para quem quer conhecer a entidade centenária e seus membros, sendo Celso Barros um dos mais elevados e estimados.

          Não posso aqui esquecer que logo abaixo dos versos do poeta e acadêmico Jônatas Batista, vêm as dedicatórias aos historiados da casa, por ordem e em seguida: João Pinheiro (in memoriam), Francisco Miguel de Moura e Herculano Morais. Esse reconhecimento me cativa. 

          Outro livro que desejo evidenciar, de sua autoria, é “Tempo e Memória” (2009), - uma joia de alto valor pelo sentimento e grandeza com que coloca sua infância e juventude.

          Celso Barros é uma daquelas pessoas que chamamos de genial, quer no sentir e no fazer, quer no viver e no tratar com o outro. Na ciência do Direito o é, com toda certeza, pois reconhecido por todos os piauienses e brasileiros de modo geral que privam de sua lhaneza em algum momento da vida.  Educação esmerada, caráter sem jaça. Muito humano: Como advogado, se volta à defesa de causas justas e honrosas. Mas sua bondade e generosidade vai além: Jamais deixou à mingua um pobre, sem condição pagar honorários. Tudo isto falo não só por minha parte, desde que o conheci ao aportar em Teresina, vindo do interior da Bahia. Ele já era, àquela altura, uma celebridade: Professor exímio da Universidade Federal, Tive-o como mestre na cadeira de “Linguística” quando a Faculdade Católica de Filosofia do Piauí ainda não se integrara à Universidade.

          Nascido aos 11 de maio de 1922, filho de Francisco Coelho de Sousa e Alcina Barros Coelho, em Pastos Bons (MA), mas ninguém é mais piauiense do que ele, pois a maior parte de sua vida devotou ao Piauí, especialmente Teresina, como se fosse aqui nascido. Porém jamais esqueceu sua terrinha no Maranhão, a região de Pastos Bons, onde foi fundar a necessária e importante Academia de Letras, História e Ecologia da Região, entidade que desde o seu nascimento vem publicando o simpático e oportuno jornal “Pastos Bons”, cujo órgão é por ele dirigido. A Academia de Pastos Bons completou, no dia 15 de março de 2019, 15 anos de profícuo trabalho em favor da literatura, da arte, da cultura e da ecologia da região.

          Pois bem, o senhor Doutor Celso Barros, na comemoração dos 15 anos de existência da dita Academia, estava lá, justo quando completava 97 anos vida bem vivida e bem amada.  Estava em Pastos Bons, a terrinha do seu berço. E assim, em reunião da Academia Piauiense Letras, seus membros proclamaram a data e prestaram a homenagem ao aniversariante.  Bem que muito mais valia a proeza de 97 anos de vida integral em corpo e espírito. Nada mais que justo, para um homem de tamanha envergadura, dentro de tal idade e que auguramos que vá muito longe e com saúde, íntegro como está, fazendo, sentindo e opinando, nos jornais, revistas e onde quer que que publique seus artigos. Respeitadíssimo sempre, pois seus atos e opiniões dão o exemplo, de homem competente e sábio.

          Mas, repito, não estou fazendo sua biografia, visto que a biografia dos homens de ação, corajosos, sapientes como Celso Barros Coelho não pode ser feita em vida. E que ele ainda tem muito o que dar, gozando de boa saúde física e mental. Meu proposto ao render-lhe esta homenagem, em primeiro lugar foi mostrar alguns dos momentos que com ele privamos e testemunhá-los aos meus leitores. Nem é bem um artigo, é uma crônica que vem de dentro do meu coração.

 

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*Francisco Miguel de Moura, membro da APL, cadeira nº 8, que tem como  Patrono, cujo patrono é  poeta J. Coriolano (José Coriolano de Sousa Lima)

 

                    FACA AMOLADA” – UMA CRÍTICA

                                                              Francisco Miguel de   Moura Moura                                          

 

          Faz alguns meses que, por intermédio do meu amigo Roosevelt Silveira, recebi o livro de poemas “Faca Amolada”, FUNPEC-Editora, Ribeirão Preto (SP), 2017, de Waldomiro Peixoto. Roosevelt Silveira me fez sentir que o autor gostaria de ter uma opinião crítica sobre sua obra. Mas não sabia a quem recorrer. Meu amigo se dispensou de avaliar sua poesia e me mandou o volume, também sem dedicatória, para minha apreciação.

          Dessa forma, como crítico literário, me vi na obrigação de ler e escrever algo (se fosse o caso) sobre “Faca Amolada” e, em seguida, enviar ao intermediador, o amigo Roosevelt Silveira, com a solicitação de dar o destino que lhe for mais conveniente, sem tirar-me a obrigação de tornar esta matéria pública, através de minha página na internet, visto que já não escrevo mais para os jornais. Em assim fazendo, estou contribuindo para a inclusão do autor na “Confraria dos Poetas”, cuja existência é silenciosa como a confraria dos maçons.  

          Li todo o livro, não cometo a injustiça de fazer qualquer crítica a uma obra sem que a tenha lido inteiramente. Waldomiro Peixoto é um poeta de primeira viagem, se bem que não tão novo, pois nasceu em 1950, em Ipuã (SP), sendo casado, pai e avô. Avaliando essas condições e a obra, o que direi? Seu livro tem 118 págs. Não é tão grande nem tão pequeno, representando várias fases sua vida, ao que nos parece. Mas isto, para a crítica, não importa.

          Estilisticamente, começa mais ou menos bem, com o poema sem nome:

                                        “Essa vida madrasta!

Arrasta, arrasta, arrasta

  Escorre, escorre, escorre.

Só o tédio não morre”.

          É como se fosse uma epígrafe do que há no livro. E há.  Motivos não lhe faltam, é verdade, e tantos momentos que podem transformar-se em poesia, ou seja, com um trabalho normal, livrando-se do vulgar e seguindo o clássico, onde transpareça a alma do poeta, a alma de todos os poetas, quiçá de todos os homens, pela invenção da poesia.  Concordo com seu apresentador (Antônio Carlos Tórtoro), quando escreve que “o percurso de um livro de poemas é exatamente como o percurso da vida: não sabemos o que vamos encontrar, se um pente ou um cadáver. É como pular num abismo e para pular de um abismo não precisamos de muitos artifícios ou justificativas.”  Porque a poesia não precisa de justificativas, completo eu. A poesia é a própria justificação, quer trate do tudo ou do nada. A poesia precisa dizer o indizível, como fez o Drummond em seu poema “Tristeza do Céu”.  Enquanto não encontrarmos a forma de dizê-lo não devemos parar a procura. O poeta é um caçador de palavras, vozes, sons e acentos, para atingir a altura nos píncaros da leitura verbal ou apenas silenciosa. Pode parecer impossível, mas é com o possível que o poeta encontra o impossível: seu “eu”, o “eu” dos outros e a alma das coisas.

          Sem mais delongas, passemos ao seu poetar, a sua maneira de escrever poemas, com “A Indiferença do Poeta”: O primeiro verso seria mais forte se o particípio passado do verbo final - “Lápis e papel sobre a mesa caídos, fosse substituído pelo adjetivo “desfalecidos”.  Outros e outras substituições, cortes e acréscimos seriam encontrados para que sua poesia mais vibrasse: No oitavo verso, eliminar-se-ia a expressão “uma relação”; no décimo quarto verso, eliminando também “de sua poesia”; e o quarteto final seria resumido num terceto, assim: “Indiferente a ambos /o poeta conta a própria história. - Quem sabe, a outra história nossa!”  Mas são apenas sugestões, prezado poeta Waldomiro Peixoto, não se assuste: os poetas (e os críticos) são catadores de nuances.

          Isto escrevo pensando como foram úteis as conversas que mantivemos, eu e poeta Hardi Filho, de saudosa memória, quando nos criticávamos e até recebíamos, humildemente, auxílios um do outro, para este ou aquele verso, para este ou aquele poema. Era uma troca muito rica! Que poetas como Waldomiro Peixoto encontrem amigos poetas para sua convivência verbal, artística, “vis-a-vis”, é o que desejamos. Se me proponho a fazer a análise de um poema, não é simplesmente para bancar de doutor no assunto, mas para pensar na fortaleza, com mais e mais imagens, mais mistérios, mais criação, menos descrição, menos o trivial – tudo o que ficaria para a prosa.

          Waldomiro Peixoto começou bem o seu livro “Faca Amolada”, com dois poemas que qualifico de bons. Porém melhores ficariam se, no futuro, lendo e ouvido poesia e sobre poesia, fizesse uma reescrita para nova edição. Da mesma forma é o final do livro com poema “Consentimento”. Os bons poetas e escritores costumam reescrever sempre o que foi escrito. Eu reescrevo sempre, nunca acho que ficou bem. Ainda hoje reescrevo o livro “Areias”, minha estreia, em 1966. O primeiro crítico de mim sou eu mesmo. Estilo é uma coisa que se constrói, não é um elemento com o qual apenas se nasce. O que chamam vulgarmente de inspiração não existe num sentido global.

          Outros poemas: “Eu e o Poeta” e “A Necessidade do Poeta”, onde WP conclui com versos que fazem um fecho de ouro: “Concluí, amargo, obscuro: / O homem é limite puro.” Quando falamos em fecho de ouro não significa que o começo, os primeiros versos, também, não sejam de ouro. Devem ser, sim.

          Nota-se também que o poeta não abusa das rimas, é ponto positivo. Rima não é uma necessidade dentro do poema. Só deve acontecer quando for espontânea e vigorosa, principalmente se o achado for de rima rica.  A rima rica tem várias formas: quando vem com as palavras de diferentes categorias gramaticais: imenso – venço, por exemplo. É apenas um exemplo entre muitos outros que poderiam ser mencionados.

          Comparando mal, o poema é o apartamento de um edifício, difere dos outros irmãos pela arrumação: móveis, pinturas, iluminação, enfeites. Sem deixar de ser um apartamento, dentro do edifício, ele é o seu; as visitas chegam e sentem o cheiro, o colorido, as paredes, os adereços, a luz e a música que proporcionam beleza, pois a casa é sempre a imagem do dono ou locatário. Não precisa explicar: Está bem ou não está. O poema se explica por si mesmo. Também não precisa de adjetivos em profusão, de palavras polissilábicas, tais como advérbios em “mente” e outras; nem precisa de repetições inúteis, mas apenas quando o formato e o assunto exigem para fazer bem aos sentidos ou até para fazer mal, quando se trata de poema satírico.

          No livro em estudo, quero citar mais os poemas “Sinfonia Mágica”, “Existe Solidão”, “Quarto de Hotel” e “Sonhar e Despertar” (vejamos como colocou bem o advérbio “pa qui der mi ca men te”), além de outros também terminados em “mente”, que foram bem colocados. Por isto aqui se confirma: “não há regra sem exceção”, cada poema tem sua regra, tem sua forma, seu estilo, basta procurar. É bom lembrar sempre o mestre Carlos Drummond de Andrade: Lutar com a palavra / é a luta mais vã, / no entanto lutamos, / mal rompe a manhã”.  Quando se diz que as palavras polissilábicas não são boas para a poesia é, simplesmente, para apontar que o nosso idioma é rico em dissílabos e trissílabos paroxítonos. Outros poemas importantes nos quais WP frequenta a concisão são “Cegueira”, “Mudança” e “Vazio”. Já o grande escritor Edgar Allan Poe confessou que os poemas longos não marcam tentos, já não existem as epopeias como antes, descambam para a crônica ou a simples descrição. A lírica é melhor quando curta. Só os grandes poetas conseguem um poema mais ou menos longo como “O Corvo”. A vantagem de Poe é que ele amarra o leitor ao refrão até fim, em todas as estrofes. Melhor não arriscar, para não cair na anti-poesia.  Outros poemas: “E o Homem?”, (oferecido a Ferreira Gullar), “Infinito de Amor” (concreto) e “Faca Amolada”, são poemas que oferecem tons fortes, imagens indistintas entre o espírito e a carne. O livro vale por todos os poemas já citados.

          Outros poemas eu poderia enumerar entre os bons, os quais o poeta só deverá mesmo reescrever alguma coisa, palavras, locuções, cancelamentos, substituições, com vagar e sempre baseando-se nos grandes escritores nossos, como Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade e Manoel de Barros, para citar apenas os modernos, e não se deixar levar pelos poetas da música popular, onde raramente encontramos bons versos. Não citei os clássicos Olavo Bilac e Guilherme de Almeida – estes me vieram à mente porque encontrei no livro “Faca Amolada”, um poema que o autor diz ser soneto, mas soneto não é, talvez seja um poema de médio alcance. Soneto tem regras, só quem as conhece e já construiu alguns, pode brincar com elas.  Não estou dizendo que o autor em estudo não tem capacidade de escrever um soneto, que é uma forma secular consagrada, na qual somente os grandes autores encontram lugar e colocam-se entre os mestres. Mas, sinceramente, precisa-se de mais treino, sim. Aliás, um treino que até os grandes poetas modernos fizeram, mas alguns não publicaram para não confessarem o “pecado”, (veja-se o caso de Oswaldo de Andrade).         Enfim, “tudo vale a pena se alma não pequena”, concordo com Fernando Pessoa. Assim, para o poeta Waldomiro Peixoto ainda restam muitos caminhos: um deles é reescrever o “Faca Amolada”, no todo, ou em parte; outro seria escrever novas obras, tentando melhorar sempre, como os poetas fazem. Poeta não nasce, poeta se faz. E faz-se com muito suor, lápis, papel, muitas letras, choro e lágrimas. Tudo com obstinação. Se digo assim, não quis desanimá-lo, muito ao contrário. A intenção foi a de estímulo aos desafios que terá pela frente. Faço-lhe esta crítica com a mão no coração. É cheio de boa vontade que lhe vou apontando o que sei. Os leitores que me julguem, os críticos também erram. Mas é preciso provar que não têm razão.

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*Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras, é poeta e crítico literário brasileiro, mora em Teresina, a bela capital do Piauí. 


       JOSÉ SOLON DE SOUSA: “PÉROLAS DA MINHA TERRA                                                                                             

                                                             Francisco Miguel de Moura*

 

          Sinto-me muito honrado e feliz por convidar-me novamente para prefaciar sua mais recente obra, este “Pérolas da Minha Terra”, livro misto de poesias e crônicas, testemunhando um pouco da história de Jaicós, esta cidade tão antiga e importante que, no entanto, é esquecida das glórias passadas, uma delas a de ter sediado a primeira escola superior, em nosso Piauí.

          Mesmo que fôssemos ligar para origem da palavra “Prefácio” que quer dizer “feito antes”, este prefácio não seria difícil para mim, haja vista que, com o tempo, os prefácios vêm dando conta de como e o que vale a obra, tornando-se muito úteis e necessários.

          Só não precisa de prefácio quem é orgulhoso demais, feito pavão. Meus livros sempre tiveram prefácios: eles auxiliam o leitor a tomar conhecimento antecipado da obra que vai ler. Além do mais, os leitores querem saber do sentido, da forma e do valor da obra antes de iniciar sua leitura. E é disto que dá conta o prefaciador.

          Os escritores têm sua originalidade e assim estabelecem as regras – ou seja o criador tem muita liberdade para criar e recriar o belo, a arte. Nessa ordem geral está inscrito Solon, autor de “Pérolas da Minha Terra”.   Os críticos vêm depois. Por isto, antes de falar sobre o livro, algumas palavras sobre o amigo José Solon de Sousa: Amizade que não foi pega em arapuca, aconteceu por conta da poesia e, depois, pelo seu caráter, generosidade, paixão pelas coisas boas e belas da vida.

           José Solon de Sousa usa sua liberdade de criar poemas e crônicas quando produziu estas “Pérolas da Minha Terra”, uma joia de literatura para a cidade de Jaicós e para além. Ele domina muito bem o idioma em “Pérolas da Minha Terra”. Solon é um médico de fama, com consultoria em Picos, mas nunca deixa sua terra por nenhuma outra, mora em Jaicós, interior do Piauí. Incentivador pertinaz da cultura local, para tanto criou o “Centro Comercial Cultural Alaíde Reis”, em Jaicós, cujo nome homenageia sua querida mãe, o qual vem sendo bastante ativo tal como o seu criador, e vem prestando preciosos benefícios à comunidade.

          A regra ditada pelo Prof. Arimathéa Tito Filho, nobre e culto presidente da Academia Piauiense de Letras, era esta, quando algum médico se candidatava a uma cadeira na APL: “Os médicos, de modo geral, escrevem bem”. E é também nesta regra que se inscreve nosso amigo José Solon de Sousa. Como poeta, ele tem demonstrado grande capacidade de improvisação, pois, enquanto outros ficam lambendo palavras, ele segue em frente, conseguindo a sua estranha forma de poetar, escolhendo sempre temas da maior importância para a realidade local e do país, quase sempre com bom humor.

          Eis que se ergue do verso, nesta obra, e vai até a forma narrativa, extraindo dos costumes e modos dos “jaicoenses”, curtas e belas narrativas em “Pérolas da Minha Terra”. Nisto tudo também está a singularidade do livro: a poesia entranhada na crônica e vive-versa. No mesmo tom, ele nos mostra 43 pequenas narrativas de tipos e/ou personalidades de sua terra, tão importantes – boa parte deles, senão todos – para a construção de uma futura história de Jaicós. 

          Transcrevo, aqui, pedacinho de uma delas, como para o leitor deste prefácio tomar gosto: “Expedito Barbosa: Magro, alto, simpático, recebia a todos com um sorriso acolhedor. Homem inquieto, estava sempre procurando o que fazer. Essa era a sua lida: mecânico e colecionador de ferro velho. Um homem acolhedor – lá estava ele entretido em achar aquela peça solicitada pelos fregueses...”

          São de leitura agradável suas crônicas poéticas e seus poemas-crônica. Creio que no final da leitura, todos vão concordar comigo, pois José Solon de Sousa usa de muito bom humor, reafirmo, tanto na crítica quanto nos versos curtos da poesia. É um livro totalmente diferente dos seus anteriores, especialmente no conteúdo.

          Estou feliz por ser “jaicoense” de batismo, como ele disse, por ter eu sido batizado em Jaicós, no tempo em que Jenipapeiro pertencia à Paróquia de Jaicós. E assim, irmão e conterrâneo seu, vejo José Solon de Sousa no caminho certo da literatura, com vida e arte. Assim como já é na música, onde sua presença é louvável e querida.

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*Francisco Miguel de Moura é poeta e crítico de literatura, mora em Teresina, a bela Capital do Piauí, apelidada de “Cidade de Cidade Verde”, pelo o grande escritor Coelho Neto, quando aqui esteve, no começo do século passado.

 

       

         

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